Macho e fêmea os criou: criação e gênero - Resumo e crítica
Resumo
A autora Ana Maria Tepedino toma como base o relato de Genesis 1.1-27 para discorrer sobre a relação de igualdade/inferioridade entre homem e mulher. A tarefa primária da autora é tentar enxergar o texto tal como ele era no momento de sua redação, tendo em vista que o que lemos agora está impregnado com uma tradição que valoriza o masculino em detrimento do feminino. Desvendar o texto, nesse sentido é buscar o que existe na palavra humana, de que forma ela se estabelece, em um contexto de tempo e lugar até chegar ao que se pode chamar do que a fé chama de “palavra de Deus”.
Os relatos da criação acabaram por formar um sistema onde a relação de dominação tornou-se sacralizada. Desta forma, a mulher se tornou responsável pelo pecado, pela transgressão e pela culpa, sendo ela o único ser que se deixando seduzir, permitiu que o pecado entrasse no mundo. Essa forma de ver o relato bíblico conferiu à mulher como um ser inferior, pelo fato de ter sido ela a primeira a pecar e por ter induzido o homem a pecar, fazendo com que, através de gerações a mulher seja discriminada.
A versão hebraica da criação, produzida no exílio Babilônico, é um texto poético com ritmo que parece ser o de um texto utilizado em liturgias. Talvez o texto tenha sido criado para animar uma comunidade que estava cativa em terra estranha. O relato é estrutado de forma a ter uma frase introdutória e outra conclusiva, tendo conteúdo contido em um esquema que cabe no número 7. O sábado é valorizado, como uma das formas de diferenciar o povo cativo na Babilônia dos seus opressores, e sendo considerado o mesmo dia de descanso de Deus. O texto combate a versão Babilônica de adoração de Sol, tanto o sol, quanto lua e estrelas são criaturas, portanto, não podem ter o status de deus. A própria descrição da criação do sol, lua e estrelas, destronando-os como deuses, nos remete ao cativeiro babilônico, tendo em vista estes adorarem as divindades da luz.
Há uma solidariedade na criação, entre pessoas e animais, havendo, porém uma distinção entre homens e animais, pois os homens foram feitos à imagem e semelhança de Deus. O criador separa os alimentos para homens e animais. Aos homens, as plantas que dão sementes, aos animais as plantas verdes. Ao longo da criação, o criador faz sua avaliação do que cria, sendo sempre bom e no fim descansa, uma alusão ao fato de que os escravos devem descansar no exílio. O trabalho e o descanso são instituídos para todos os seres humanos, e também para os animais. Não há uma superioridade hierárquica de uma classe de humanos em relação a outra. A versão Javista do texto descreve o homem como primeiro na criação, sendo a mulher criada posteriormente da costela do homem. Derivando-se dele, ela deveria servir-lhe. O senhorio de Deus sobre o homem se repete no senhorio do esposo sobre a esposa. Dentro de uma ótica de igualdade a criação do casal é o momento culminante da criação. A criação simultânea – macho e fêmea – com um sinal que os diferencia, a sexualidade, é ponto máximo da ação de Deus em criá-los. O sexo não é um mal, nem deve dar lugar a um dualismo. Para que a experiência humana seja completa, é necessário encontrar o outro/a na relação pessoal, através do relacionamento e do diálogo.
O relato pré-sacerdotal, ao colocar a mulher com criada após o homem, a considera subordinada e inferior, entretanto, o relato fala de uma auxiliadora em termos de igualdade. Os animais podem ser auxiliadores, mas não em termos de igualdade. O criador pode ser auxiliador, mas também não será em termos de igualdade. Somente a mulher pode ser a auxiliadora equivalente ao homem.
Para a solidão do homem, a solução do criador é adormecê-lo e de sua costela fazer a auxiliadora. Da mesma forma que o homem foi criado, sem que ele participe, a mulher é criada sem que o homem participe, pois está dormindo. Ao reconhecer a mulher, o homem se reconhece nela.
Não é a natureza, mas a cultura e a socialização que dualiza as relações de poder e estabelece macho em posição antagônica a fêmea. Para o criador, macho e fêmea são criados concomitantemente. Macho e fêmea são diferentes, mas possuem valor igual. A cultura androcêntrica privilegia o homem em detrimento da mulher.
Crítica.
O texto de Ana Maria Tepedino, deixa claro que é preciso entender os motivos pelos quais a dualidade home/mulher, macho/fêmea foi estabelecida. Se isto não for observado, a mensagem do relato bíblico perde a essência de verdade Divina e impossibilita a relação de fé com o texto. É importante fazer esta observação, para que se entenda o relato de Genesis como revelação salvífica para os dias de hoje. É muito interessante como a autora defende a idéia de que a concepção homem superior a mulher foi criada posteriormente pela tradição.
A autora encontra uma solução excelente para conciliar o relato, que parece mostrar uma dualidade e uma relação de superioridade com a mensagem de salvação encontrada no relato bíblico, quando mostra que a relação de amor é que caracteriza o centro da criação.
Outro ponto interessante é o jogo de palavras Adham/ish/ishshah, onde a autora mostra que é na percepção da mulher, que o homem se reconhece. É na contemplação mútua que um recebe o ser do outro. Nesse sentido, o homem não precede à mulher, mas surge concomitantemente.
A autora explora bem o relato que afirma que o homem deixará pai e mãe para unir-se à sua mulher. Numa sociedade patriarcal, a mulher é quem deveria deixar sua família e não o homem. Desta forma, a autora deixa claro que não havia nenhuma intenção de Deus em criar uma relação de patriarcado, mas de homem e mulher, destinados um ao outro e não um em superioridade ao outro. E esta união e atração que explica a ruptura com a família patriarcal de origem.
A percepção da autora em definir que é na relação de reciprocidade e não na competição, que homens e mulheres conseguem perceber o mistério um do outro, mostra, ao meu ver, que o texto não é só um manifesto feminista, mas uma leitura mais acurada dos papeis do homem e da mulher no relato da criação. Estes papeis foram torcidos durante muito tempo, fazendo com que à mulher fosse dado uma posição de inferioridade que perdurou, e provavelmente ainda perdura por anos.
A autora avança na percepção de que há uma união entre homem/mulher/natureza/animais, fazendo-os participantes de igual valor da criação de Deus. A reflexão apontada pela autora leva-nos há uma possibilidade de mantermos novas forma de relacionar. Onde o que é singular passar a ser plural, não fazendo mais necessário a distinção do Eu, e colocando o Nós em plano melhor. Esta forma de relacionar nós colocar em posição bem melhor que uma posição patriarcal e androcêntrica, onde o homem está sempre em primeiro plano.
Somente nessa perspectiva total e não dualista é que é possível olhar para a criação e afirmar: “muito bom”.
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