Novo Testamento: Três perspectivas ao estudá-lo por um viés Acadêmico.

17/08/2012 23:15

    O novo testamento tem características apologéticas. Por apologéticas, não devemos entender o que se diz hoje ser apologética. Não é a apologética que determina que só exista um tipo de pensamento e todos os outros pensamentos estão errados. É a defesa da fé e não das crenças.

    O novo testamento é inacreditavelmente plural, ou seja, existe no novo testamento visões diferenciadas sobre Cristo, Igreja, ministério, ser humano, pecado, pois quem escreve os livros do NT não escreve debaixo de um único dogma. Se hoje alguém, em sua comunidade de fé, resolver escrever sobre cristologia, o texto final, com certeza vai esbarrar numa espécie de capsula protetora, de defesa da fé. Se forem colocadas ideias muito contrárias do que já está proposto, enfrentará certa dificuldade para expor.

    O novo testamento surge em um ambiente de defesa de fé e em um ambiente de crise. A Teologia que é proposta, por exemplo, nos textos de Paulo, denota que as respostas teológicas do texto aconteceram a partir dos questionamentos das comunidades da época. Quando Paulo diz aos Coríntios “Ora, quanto às coisas que me escrevestes....” 1 Corintios 7.1a., podemos entender que é a partir dessas perguntas, expressas em algo que havia sido escrito que Paulo começa a falar o que pensa a respeito do que fora perguntado. Temos aqui a impressão de que se a comunidade não fizesse as perguntas, o que está contido no capítulo 7 e 8 de 1 Coríntios, não existiria. Nesse sentido, não existe uma Teologia Sistemática, mas uma teologia que resguarda a comunidade de fé e que responda as necessidades dessa comunidade.

     A Teologia do NT é em grande parte situacional. Há uma preocupação com aquela comunidade local, que está passando por alguma controvérsia, ou sendo invadida por algum pensamento estranho, e a ideia do NT é escrever para esta comunidade para proteger a comunidade.

    Para estudar o NT do ponto de vista acadêmico é preciso observar três questões básicas.

  Primeiro, não se deve partir do princípio da fé, tendo em vista que fé é uma experiência de cada um. A fé cristã só se realiza na experiência. Ela não se realiza na doutrina, na moral ou na ética.

    Se utilizarmos a fé como critério para estudar o NT, teremos alguns problemas. Sendo a fé algo que parte da experiência pessoal com Deus, o resultado da minha exegese do texto será a minha experiencia. Dessa forma não estarei analisando o texto, mas a minha experiência acerca do que o texto fala. Se ao analisarmos o texto bíblico, utilizarmos a nossa perspectiva de fé, estabeleceremos um dogma. O dogma, que surgiu no passado como algo que servia para a defesa da fé, acaba em outros tempos aprisionando o pensamento, não me permitindo ir além dele. O dogma carrega consigo as tradições da igreja, desenvolvida ao longo da história, através dos concílios e da reforma, por exemplo.

    Um exemplo desta perspectiva dogmática é o fato de pensarmos que no novo testamento se encerra a ideia de que Deus é todo poderoso. A ideia de um Deus Todo Poderoso não está no NT. Falar que Deus é todo poderoso, gera alguns problemas. A pergunta que se faz é: Se Deus é todo poderoso, por que ele permite que coisas ruins aconteçam?

    A fé cristã se torna significativa na medida em que ela, como um todo é escatológica. Escatológica, nesse sentido, não é a visão que temos das coisas que acontecerão no futuro. A esperança escatológica não é uma esperança passiva, mas é uma esperança ativa. É desejo de Deus que o ser humano construa o Reino de Deus. Nesse sentido, o Reino de Deus é um horizonte escatológico, onde aquele que faz parte do Reino de Deus está olhando e desejando por ele. Mas ele não é uma realidade passiva, fora da historia, todavia, é uma realidade que está na história. A fé enquanto experiência que espera por isto, é estabelecida porque eu tive uma experiência com esse Deus. Ha uma diferença entre fé e crença. O núcleo da fé é uma experiência pessoal que toma aquele que tem fé de forma incondicional. Se uma descoberta arqueológica que vai de encontro ao texto bíblico, derruba a fé, significa que não era fé e sim crença, que é um sub-produto da fé.

    No novo testamento, não encontramos a realidade de um Deus todo poderoso, mas a realidade de um Deus Kenótico (que se esvazia). Quando Deus cria, ele se esvazia para que surja o que foi criado. A liberdade que temos é resultado do esvaziamento de Deus ao nos criar.

    Em segundo lugar, para estudar o novo testamento é preciso entender que ele é plural. Os textos foram escritos em épocas diferentes, com intenções diferentes, com contextos diferentes. Não é possível juntar todos os textos e pregar sobre eles como se fossem uma coisa só. As comunidades cristãs quando se estabelecem, estão cheias de perguntas e respostas sobre Jesus, inclusive respostas contraditórias.

    Em terceiro lugar, para estudar o novo testamento, é preciso entender que ele não surgiu do nada. Existem vários textos que não estão no novo testamento que influenciaram na construção do novo testamento. O novo testamento olha para antigo testamento através de uma lente cristã e re-interpreta alguns conceitos do antigo testamento, além de utilizar-se de outros textos que não estão na bíblia como a conhecemos.

    As pesquisas atuais sobre Jesus nos levam a encontrar o que se chama de “Jesus Histórico”. As pesquisas atuais nos levam a perguntas tais como: “Será que é possível confiar em tudo o que o novo testamento diz acerca de Jesus?” ou “Será que as palavras que Jesus diz no novo testamento são de fato palavras que ele pronunciou no primeiro século, na palestina?” ou ainda “Será que a proposta de Jesus foi compreendida que estava vivendo aquele momento?”

    Estudar o novo testamento pelo viés acadêmico, não é esquecer que ele é fonte de espiritualidade.