Jesus e seu movimento.

27/01/2013 18:42

Resumo

Reconstruir o Jesus histórico e seu movimento é uma ação complexa, pois os dados históricos são escassos. A pesquisa acaba sendo feita com os dados da fé. Três pressupostos precisam ser considerados. Deve-se abordar os relatos antigos, a partir da experiência da vida humana em sua própria geração, considerar esta experiência na sua existência como norma para interpretar o passado e ler as fontes.

O Jesus histórico é um homem comum, diferindo apenas na questão do pecado. Jesus só é feito senhor após a sua morte, tendo possibilidade de intervir na história. O Cristo da fé é o que faz o poder de Deus agir em sua comunidade. Os evangelhos não se preocupam com em fazer uma narrativa histórica da vida de Jesus, antes se preocuparam em mostrar seus feitos miraculosos. Mesmo sem contar detalhes do Jesus históricos, os evangelhos apontam para a realidade histórica de Jesus, mostrando que ele era um homem que não diferia dos outros homens de sua comunidade, galileu, pobre, marginal, afetado pelo sistema opressor vigente, tão real quanto os homens de sua época.

Há alguns critérios de historicidades interessantes que devem ser notados. Pensar em um Jesus histórico sob esta perspectivas, perpassa por alguns riscos. Mesmo sendo úteis, os critérios de historicidades tem suas fragilidades. Não há, por exemplo, em Marcos, nenhum embaraço sobre o batismo de Jesus, o mesmo não acontece em Mateus, Lucas, e João. Gerações diferentes podem ter perfeitamente observado problemáticas diferentes sobre determinados assuntos e tradado desses assuntos a partir da sua vivencia, ótica e cultura. Os critérios de historicidades são úteis se usados com discernimento.

O que se diz sobre a fé não se diz sobre verdades ou proclamações dogmáticas. Não se crê nos atos de Deus, mas de fato se crê em Deus como originador dos atos. Portanto há um problema de se entender as narrativas do Cristo da Fé, como fatos históricos, e não se pode esconder esse problema. O que se diz do Cristo da fé, não pode ser explicado pelo que se diz do Jesus da História, pois o que se está além só pode ser justificado pelo além. Falar de Jesus é falar de um personagem histórico. Se só o além justifica o que se fala sobre o além, só a historia pode justificar uma palavra da história. Um ser humano e sua existência não dependem de um falar de fé, mas de um julgamento histórico. Foi a vida do homem Jesus que agradou tanto a Deus, que Ele o ressuscitou e o fez o Senhor. A conexão do Jesus Histórico com o Cristo da fé é, portanto perceptível e impossível de se desconectar.

Seguir o Cristo da fé hoje não é possível em sua totalidade sem que se faça a conexão do que antes era somente Jesus de Nazaré. Tanto Jesus de Nazaré, como o Cristo da fé partilham da mesma orientação fundamental acerca de alguns assuntos. Os dois estão comprometidos com a causa dos pobres, dos marginalizados, dos desvalidos. Os dois consideram que o templo de Jerusalém, perdem o sentido se não estão a favor do ser humano em suas demandas. O discurso da fé e o discurso histórico, nesse sentido, seguem juntos em uma convivência nem sempre harmoniosa.

O homem da Galiléia era membro de um povo desiludido com a realeza, com o templo de Jerusalém e com o império Romano. Cada um por sua vez, e em algum tempo, ao mesmo tempo, sacrificou este povo com altas opressões e cobranças de impostos. O resultado disso, nos tempos de Jesus, é uma série de revoluções que serviram para aumentar a aversão dos galileus tanto a Jerusalém quanto a Roma. O povo pobre só tinha contato com a autoridade, seja de Jerusalém, seja de Roma, no momento da cobrança dos impostos. O território galileu conhece várias tensões sociais, banditismo, violências, pois os que perdiam tudo recorriam a violência para conseguir sobreviver. Além disso, houve o surgimento de reis populares, nos quais se concentravam a esperança de libertação. A Galiléia, região fronteiriça, com tradição de resistência a opressão vinda de fora, foi separada da Judéia por ocasião do desenvolvimento das suas duas maiores instituições, que são o Templo e a Torá.

Todas essas tensões e antipatias do povo galileu contra Jerusalém e Roma, corrobora o fato de que Jesus se opunha as instituições Templo e Sacerdote, vindo a surgir uma compreensão diferenciada de israel. Tudo isso nos ajuda a entender quem foi o homem de Nazaré.

O encontro com João é fundamental para modificar a história do homem de Nazaré. João pregando no deserto, subverte o povo diante da opressão dos regimes estabelecidos. O ato manifesto publicamente dessa subversão é descrito na narrativa bíblica como Batismo de arrependimento. Jesus vai ao seu encontro e se deixa subverter, sendo batizado. O batismo de Jesus inicia sua sentença de morte.

Sem interesse em exercer o poder, Jesus começa a pregar condenações sobre o sistema vigente. Sua pregação não é contra Israel ou contra o Judaísmo, mas contra as instituições, que, pervertendo sua real função, se tornaram um meio de aquisição de poder e dinheiro. Ao ensinar sobre a oração, demonstra que a instauração do Reino de Deus dará cabo de toda opressão. O pão serão para todos, não haverá dividas para se pagar, as provações e o reino do maligno desaparecerá para sempre. O ensino de Jesus reanima o povo que está faminto, doente, em mendicância e desperta nele o sentido da dignidade humana, revelando a este povo que pessoas são mais importantes que as instituições. Além disso, ele reconsidera a posição da mulher na sociedade, das crianças, dos doentes, dos excluídos seja qual for o motivo. O evangelho do reino não aceita qualquer tipo de exclusão e quando o Reino de Deus for instaurado, os últimos serão os primeiros.

Esta mensagem não é bem recebida pelos poderosos, pois o Reino de Deus era um movimento que os contestava. Aos poderosos, era confortável a manutenção do que já estava estabelecido. Acostumados a serem responsáveis pelo povo, não estavam dispostos a ceder o lugar para um homem de Nazaré que pregava uma mensagem que os expunha como opressores.

Jesus segue para Jerusalém e, segundo a narrativa bíblica, chega lá saudado como um rei. Nada mais problemático e que o conduziria a morte. Pior que isso, ele é aclamado rei, montado em um jumento, chamado de rei e profeta, situação insustentável, uma vez que o profeta é sempre crítico do Rei. Para fechar um ciclo de situações tensas, ele é chamado rei que vem de Nazaré, da Galiléia, o que de fato, para Jerusalém e seus poderosos é um grande insulto.

Chegando em Jerusalém, Jesus condena o templo e se declara contra ele. Percebe-se então que este homem de Nazaré é capaz de sozinho fazer tremer uma instituição milenar. O caminho certo para ele é a morte. Depois desse gesto contra o templo, Jesus se recolhe a uma certa clandestinidade, onde participa com os seus discípulos de uma ceia, numa atmosfera tanto sombria quanto cheia de esperança pela vinda do Reino. Paradoxalmente é o povo humilde da Galiléia, a quem ele foi sempre um bom rei, que oferece um pretexto para sua morte. Consideram-no um subversivo que corrompia o povo a ponto de ser chamado por eles de Rei. Na sua morte, parodiaram sua posição, quando lhe deram um título de “O Rei dos Judeus”. Não quis ser rei, menos ainda dos Judeus, antes era defensor da volta do governo descentralizado. Sendo crucificado como rei dos Judeus, tinha bons motivos para considerar-se abandonado e gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

Definir o incio do movimento de Jesus é tarefa não muito fácil. O movimento se espalhou rapidamente no império sem nenhuma estratégia missionária, sem liderança centralizada e sem preocupação de se compilar os eventos para a posteridade. Isso deve-se ao fato de que as primeiras comunidades cristãs estarem preocupadas com a vinda repentina do senhor. Atos dos apóstolos é escrito não com a finalidade de reconstrução histórica, mas para justificar a existência da igreja, a abertura aos pagãos e a presença no império romano.

Pouco se sabe sobre o Judeu-Cristianismo Palestino da Galiléia, mesmo que este seja o grupo a quem se deva a preservação das linhas fundamentais dos gestos e das palavras de Jesus.

O Judeu-Cristianismo Palestino de Jerusalém é um pouco mais conhecido. As comunidades desta região tinham como liderança Tiago, irmão de Jesus. Além de Tiago, Pedro também estava lá no começo. Tiago liderou a reunião de cristãos que decidiu se os gentios podiam ser membros da igreja. As igrejas da Judéia e de Jerusalém em particular, eram responsáveis pela concepção do Cristo como sendo da linhagem de David. Essa comunidade se mantem alinhada aos preceitos judaicos de praticar boas obras, dar esmolas, orações e jejuns, além de serem frequentadores do mesmo Templo condenado por Jesus e sobre o qual ele previu a destruição. Esta destruição é responsável pelo desaparecimento desta comunidade, o que tornou o cristianismo de origem pagã o único na região.

Sobre o Judeu-Cristianismo Helenístico de Jerusalém o que se sabe é que são cristãos de origem judaica mas que falam o grego. É deles que o autor de Atos fala quando trata da controvérsia com os cristãos de Jerusalém, culturalmente diferentes. Eles inculturaram a fé e tiraram dela conclusões de acordo com sua experiência e cultura. Flexibilizaram sobre conceitos que eram primordiais para os judeus, como pureza alimentar, guarda do sábado, entre outros. Ao flexibilizar sobre esses conceitos, permitiram-se não refletir tão acirradamente sobre questões fundamentais da Torá, ao contrário de que faziam os judeus.

Havia ainda um outro grupo, o Judeu-Cristianismo Helenístico fora da Palestina. Este grupo de cristãos fez um trabalho missionário em uma vasta região. Foi através deles que o cristianismo saiu da Palestina e se tornou um movimento de grande alcance, tanto em termos de distância como em termos de classes. Neles a inculturação provocada pelo Senhor Jesus está progredindo. Estes cristãos foram responsáveis por levar o cristianismo aos que eram conhecidos como pagãos, iniciando uma mudança na fisionomia da igreja. Marcos, cristão de origem pagã, ao escrever seu evangelho, considera, mesmo de forma limitada que o principio para a explicar a igreja nascente era o Espírito de Deus dado ao Senhor Jesus, fazendo com que a história estenda a mão à fé.

Os milagres realizados por Jesus podem ser vistos de duas formas: a primeira, tal com nos evangelhos, onde o milagre seria um evento perceptível a qualquer observador imparcial, onde foi exercida uma capacidade que nenhum ser humano ou nenhum poder conhecido no nosso universo temporal pode explicar. Esta descrição combina bem com o que diz os evangelhos, onde o Jesus da história, tornado Cristo da fé, foi investido de poderes de ação de Deus. Para isso, Jesus deveria ser modificado em sua natureza humana a ponto de fazer coisas que nenhum outro ser humano poderia fazer. A segunda forma, é ver nos milagres um dom, uma capacidade humana, como os dons que Deus concede de tempos em tempos a alguém. Jesus era dotado de mais de um desses gestos inexplicados e até hoje inexplicáveis.

O importante nos milagres não é percebe-los como milagres, mas perceber o seu contexto e sentido. Para pessoas que não tinham acesso à medicina, a cura, para os que não tinham acesso ao alimento, a multiplicação de alimentos, para aqueles que não tinham mais a vida, a ressurreição. Nesse sentido é possível pensar que Deus não está preocupado com o escândalo que o milagre pode causar, mas com o efeito causado nas vidas de quem o milagre aconteceu.

Crítica

A proposta do autor de apresentar uma reconstrução histórica de Jesus de Nazaré e seu movimento é de fato uma proposta interessante. Perceber a construção de um homem comum, envolvido com os homens do seu próprio tempo, lugar e cultura, sendo transformado em Cristo e Senhor nos faz pensar em como teria sido a vida cotidiana de Jesus. A pergunta que se faz é: será que Jesus sabia o tempo todo de sua missão, como filho de Deus, tal como os evangelhos anunciam?

Pelo que parece mostrar o texto, Jesus, tendo vivido uma vida normal, não teve, pelo menos a principio, nenhuma percepção de si mesmo, antes fazia o que fazia de modo que cumprisse sim uma missão, tal como a missão que qualquer ser humano teria de olhar para a desigualdade religiosa, política e social e denunciá-la como algo nocivo a vida da humanidade.

O dinamismo que vemos na vida da igreja após a morte de Jesus, quando ele foi efetivamente feito Senhor, não parece ser realidade em sua vida diária, tendo em vista que o seu movimento não cresce se não a partir da sua morte e da leitura de fé que os primeiros cristãos fizeram dela e da sua vida.

O autor traz uma visão bem ampla sobre como era a realidade dos que habitavam as regiões da Galiléia nos tempos do Jesus Histórico. Essa realidade revelada é tanto daquele tempo, como se estende ao longo de outros tempos e, chegando à atualidade encontra com realidades similares e tão gritantes como as anteriores. Nesse sentido, o texto revela que mesmo que hoje, a visão do Cristo da fé, construída após a sua morte e ressurreição, não deve retirar daqueles que abraçaram seu legado, a perspectiva de gritar contra sistemas opressores vigentes, sejam eles políticos, sociais ou religiosos.

É interessante a forma como o autor mostra a ironia do título de Jesus na cruz, como sendo o contrario de toda a realidade vivida por ele. Não tencionando ser rei, muito menos dos Judeus, é possível flexibilizar esta leitura para o cristianismo atual e perceber que ele, o Cristo, ainda vive esta situação: Rei, tendo sido feito não por ele, mas pelos que se dizem súditos dele e rei de um povo que não espelha suas características de alguém preocupado com as minorias, opressores religiosos das minorias miseráveis, seja pela fome da carne ou pela fome da alma e do espírito.

Senti falta de um espaço maior por parte do autor, da descrição dos milagres do Cristo, tendo em vista que os evangelhos procuram mostrar este lado. Entretanto, a percepção do autor no que se refere a intenção do milagre é significativa, pois não coloca Jesus numa aura de ser todo poderoso, mas o mostra como ele realmente é: um homem que, tendo sido incomodado com as demandas do povo, usa de seus dons para tentar diminuir ou sanar de vez estas carências, seja alimentando, curando, libertando ou ressuscitando.

Nesse sentido, não são os gestos miraculosos de Jesus que são os mais importantes, mas a certeza de que, mesmo sem ter os mesmos dons de Jesus, todos poem caminhar na mesma direção que Jesus caminhou ao realizá-los.

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